3 de jan. de 2017

Ferrovias pra quê?

Ferrovias pra quê?


O Brasil depende muito do transporte rodoviário para movimentar suas cargas: um transporte caro, poluidor e perigoso. Os números são divergentes entre estudiosos, mas muitos apontam para uma dependência na casa dos 70%, enquanto outros defendem que seja em torno de 60%. Vários países se empenham para diminuir, cada vez mais, o percentual de dependência rodoviária em suas matrizes logísticas. Os Estados Unidos e a Austrália, por exemplo, mantêm esse percentual abaixo de 30%, enquanto a China não passa de 10%. Eles entenderam de forma bem simples que custo alto não combina com competitividade.
ferroviasMuitos historiadores explicam que a história do Brasil não contribuiu para o desenvolvimento de uma logística eficiente e bem estruturada, pois as práticas de monocultura não tinham como fomentar regiões maiores ao ponto de impactar sobre todo o país. No entanto, trazendo o Brasil para os dias de hoje, teríamos que pensar em algo bem diferente para que daqui a algum tempo não estejamos lamentando e ouvindo tentativas semelhantes para justificar o porquê de não ter feito. Essa coisa de ferrovias mal planejadas, insuficientes, bitolas diferentes, trilhos ligando nada à coisa nenhuma e de exclusividade para minérios e grãos, tem que ficar no passado! Há tempos deixamos oportunidades para trás para nos agarrar em vícios difíceis de serem abandonados e parece que estamos fazendo tudo novamente deixando um setor inteiro ao deus-dará.
Sofremos com inúmeros conflitos regionais que tinham a luta armada como principal meio para firmar o caminho da sociedade brasileira, fora as que envolveram outros países, os impactos de guerras mundiais e o domínio militar no país. Sabemos muito bem que isso tirou o foco do desenvolvimento porque muitas de nossas revoluções foram contra nós mesmos. Ao final destas, faltava aquela inciativa de união e investir no país para recuperar o tempo perdido.
Na verdade, quando nos referimos à infraestrutura ferroviária, observamos lacunas enormes nos períodos em que se tentava implantar algo mais significativo. Em muitos períodos a falta de sinergia era notória: parecia que cada um queria construir do seu jeito sua própria ferrovia. Era uma malha de retalhos e isso atrasou muito o setor e seus efeitos permanecem como um entrave bastante significativo.
A 5ª edição da pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), realizada em 2015, mostra que estamos bem distantes de uma mudança necessária em nossa matriz de transportes, embora após 1996, com o início das concessões, o setor ferroviário tenha registrado crescimento de quase 30% do volume de cargas transportadas entre 2006 e 2014. Porém, houve também um aumento das invasões nos perímetros da malha ferroviária que fazem com que a velocidade caia para até 5 km/h em algumas áreas, gerando aumento de custo e ineficiência.
A malha ferroviária brasileira para o transporte de cargas mede 29,7 mil km e possui 279 cruzamentos com rodovias considerados críticos que também diminuem a eficiência através da insegurança. Comparando com os Estados Unidos que possuem extensão territorial semelhante à nossa, são 240 mil km de ferrovias e, para cada mil km2 de extensão territorial, eles têm 32 km de ferrovias, a Índia tem 23 km, a China 20,5 km, a Argentina 13,5 km enquanto o Brasil possui apenas 3,6 km, menos até que o Chile com 9,8 km e México com 7,9 km.
A pesquisa também aponta que seria necessário investir R$ 281 bilhões em 213 obras e construir 72 terminais de cargas para termos um modal que atendesse aos propósitos do país. Contudo, no ritmo atual, seriam necessários 54 anos para realizar esse plano, pois o governo investe em média, apenas R$ 1,4 bilhão por ano perdendo 1/3 do orçamento liberado por falhas no planejamento. A situação só não está pior porque o setor privado, de 2006 até 2014, investiu R$ 33,5 bilhões – quase o triplo do que o setor público investiu.
O extrativismo aumentou nos últimos anos, a agricultura bate recordes de produção, o custo por tonelada transportada em ferrovias é três vezes e meia mais barato do que pelo modal rodoviário e ainda ecoa a pergunta no Brasil: ferrovias pra quê? Talvez seja devido às facilidades que a corrupção encontra na rede rodoviária, não que na ferroviária não exista, mas os canais rodoviários proporcionam uma diversidade de possibilidades: serviços inexistentes ou mal executados, materiais de terceira, pouca durabilidade, uso da máquina pública, desvios de verbas e a magnífica indústria da multa, além da acomodação e aceitação de seus entraves. Se a História explicou os porquês da inconsistência de nossas ferrovias, talvez hoje possamos explicar sua insuficiência olhando para nossas rodovias… De fato, ferrovias pra quê?
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